Dienstag, Februar 22

Eu estava lá, sentadinha, lendo meu livro genérico e olhando para o pote de biscoitos salgados que tinha na minha frente. Eu, geralmente, não como esses troços que ficam expostos em vidros em consultórios médicos, mas a consulta já estava cinqüenta minutos atrasada e o meu almoço já tinha, aparentemente, sido todo digerido pelo meu suco gástrico. Aí meu estômago começou a reclamar e eu resolvi ceder - levantei, fui até o pote, abri a tampa e.

Entraram duas mulheres no consultório na exata hora em que eu abri a tampa. Lucky me, eu pensei. Primeiro porque eu já tenho fama de esfomeada (dentro de mim, óbvio) e segundo porque a porta do consultório quase me atingiu enquanto eu abria a tampa. Peguei os dois biscoitos finos e salgados, voltei pro meu lugar. Opa, não voltei pro meu lugar. Voltei pra outro lugar, porque uma das duas mulheres tinha sentado bem no meu lugar (e tinham cinco cadeiras para ela escolher). Típico.

Ela nem era exatamente uma mulher. Era uma menina, devia ter uns dezesseis-dezessete e era bastante gorda. Tinha o rosto duro, de quem não está feliz e o cabelo chanel não muito bem penteado. Preferi voltar para o meu livro genérico, porém interessante.

Até que ela, a menina, abre a bolsa, tira um canivete lá de dentro, retira o relógio que estava no seu pulso esquerdo, empurra a lâmina do canivete para fora e o encosta no seu pulso. Bang! Eu estava no consultório médico, aquilo era real, não, não era um sonho bizarro, era eu, vendo uma menina tentando o suicídio.

- Filha, larga isso.
- Não.
- Por favor, filha, não faz isso.
- Não.
- Então tá bom, nós vamos embora.

A mãe dela (assim eu presumi, mesmo que a outra mulher fosse bem mais velha e não se parecesse nem um pouco com a menina e com o seu cabelo chanel despenteado) se levantou e começou a contar o dinheiro da consulta dentro da bolsa. Falou qualquer coisa para a secretária (que estava mais ou menos em choque) sobre pagar a consulta, sobre ética, sobre mil coisas. Eu fiquei sentada no meu lugar (o novo, óbvio), olhando para o vidro de biscoitos. Eu queria falar qualquer coisa para a menina, dizer que eu já tinha me sentido assim um dia, mas que ia passar e que tudo. Eu nunca tinha me sentido assim um dia.

A mãe abriu a porta do consultório e mandou a menina ir pra casa. Perguntou se ela precisava de dinheiro para a condução [com essas exatas palavras, porque eu nem gosto muito de falar con-du-ção, uma vez que muitas vezes a gente anda, pega ônibus e faz mil coisas, mas não é conduzido a lugar nenhum], pediu para a menina se levantar e ir embora. A menina só respondia não, encostava cada vez mais o queixo no peito e abraçava a bolsa vermelha, daonde tinha saído o canivete.

E então a mãe dela começou a chorar. Sentou-se, disse que só precisava descansar um pouco antes de ir pra casa e chorou. A secretária, assim como eu, já não sabia mais o que fazer e continuou insistindo na história de que ela não precisava mesmo pagar a consulta já que a menina não iria se consultar. A senhora insistiu, disse que também tinha um consultório, que sabia como isso funcionava e levantou-se. Abriu a bolsa, tirou de lá de dentro uma agenda laranja, entregou-a para a secretária pedindo para que ela a jogasse fora, pediu desculpas, abriu a porta e saiu.

A menina, que até então estava sentada do meu lado (uma cadeira só de diferença), assistindo a cena como se não estivesse participando dela, levantou-se e seguiu a mãe.

A enfermeira do consultório veio ver o que tinha acontecido, a outra secretária e uma das médicas. A secretária que assistiu tudo explicou o ocorrido, acharam que a menina tinha apontado o canivete pra mim, sentiram pena da mãe dela, etc. A agenda laranja ficou ali, na mesa da secretária, a Rose. Eu, então, tive a coragem de perguntar o que tinha ali dentro, a Rose abriu a agenda, leu algumas páginas e disse que parecia ser uma espécie de relatório que a mãe estava fazendo da filha. A outra secretária disse que era melhor guardarem a agenda, porque poderia fazer falta e a levou para dentro de uma sala qualquer.

Não posso contar o final, não as segui, não consegui ler o que estava escrito na agenda laranja e nem falei nada do que tive vontade de falar para a menina e para a mãe. Mas acho que entregar a agenda laranja para o lixo foi desistir. Achei triste desistir. Voltei pra casa tentando achar um motivo pra mãe ter desistido, mas não tive sucesso.

@ 19:44